Passaremos de agora em diante a colocar neste nosso blog alguns assuntos culturais em geral, além daqueles relativos à psicologia. Por isso sugiro a vocês, queridos acompanhantes, que me enviem assuntos de seus interesses, para que venham eles enriquecer essas nossas páginas.
O título de hoje seria então: O ABOIO DO VAQUEIRO NORDESTINO.
Para iniciar esta nova fase estou colocando detalhes sobre a origem do Aboio, este melodioso canto entoado pelos nossos vaqueiros nas lides com o gado, tanto na rotina das fazendas, como nas caminhadas para as feiras ou outros destinos das boiadas.
De onde surgiu tão melodioso entoar, hoje tão rarefeito em função do gado está sendo conduzido em caminhões e os vastos silêncios perturbados pelo ronco das motos?.
Lendo referências de respeitáveis estudiosos sobre o assunto, junto as nossas vivências pessoais pelos sertões do nordeste, fomos gradativamente configurando as origens históricas destes cantos sertanejos do gado.
As primeiras unidades de gado bovino trazidas ao Brasil, e particularmente ao nordeste, onde foram instaladas as primeiras fazendas de criação, aqui chegaram com nosso primeiro governador geral, Tomé de Souza, oriundas das ilhas africanas do oceano Atlântico de colonização portuguesa. Lá, cuidavam do gado escravos africanos de religiosidade muçulmana. Esses vaqueiros escravos costumavam em suas lides com o gado entoar loas e sons lamentosos dos seus cultos religiosos. Estas entonações de origem árabe ficam claras em seus detalhes históricos no livro "Tradições Populares da Pecuária Nordestina"- Rio de Janeiro - Ministério da Agricultura 1956, do conceituado estudioso do assunto o norte- rio- grandense Luis da Câmara Cascudo.
Para melhores detalhes, seguem alguns trechos ilustrativos do referido livro. Antes porém, lembro-me muito bem que o meu professor de música, matéria obrigatória no meu tempo de escolar, prof. Miguel Barkokebas, por sinal de origem árabe, destacava os fortes traços orientais dessas entonações dos vaqueiros naqueles idos tão em voga.
"Canto sem palavras (aboio) marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem o gado.(...). José de Alencar evocava-o: - "O aboiar dos nossos vaqueiros, ária tocante e maviosa com que eles ao por do sol tangem o gado para o curral, são os nossos RANZ sertanejos... Quem tirasse por solfa esses improvisos musicais, soltos à brisa vespertina, ouvera composto o mais sublime dos hinos à saudade (...) Carlos M. Santos, estudando o folclore musical da Ilha da Madeira, fixa o canto entoado quando levam os bois ao trilho da eira. Esta canção tem bastante acentuado o estilo oriental principalmente na neuma, e extraordinária semelhança com a mourisca donde parece ter saído".
"E o nosso aboio? Creio ser a mais legítima presença de canto oriental no Brasil. (...) O aboio é uma jubilatione, tôsca, bravia, primitiva. Trouxeram-no os portuguêses, não apenas como as toadilhas de aboiar no Minho ou as "boiadas" madeirenses, mas juntamente com os gritos de excitamento em uníssono, dados pelos tangedores. Creio que o aboio brasileiro é atualmente mais puro, mais legítimo, mais primitivo e próximo às fontes orientais que outra qualquer forma de vocalização utilizada em profissào rural, cantos de arada, cantos de sega, etc, vivos na Europa."
Passo agora a fazer esta minha intuitiva reflexão psicossocial: No aboio dos vaqueiros escravos trazidos para o Brasil junto com o gado, vieram com eles seus cantos muçulmanos. Aqui o índio remanescente da Guerra dos Bárbaros, tranformado em vaqueiro, aprendeu a cantar para o gado o lamento muçulmano, fazendo assim neste cruzamento de ondulações profundas o enraizamento do sagrado como um culto divino inconsciente, muito pertinente à sua contribuição no forjamento da cultura nacional.
Observação atualizante: O aboio nordestino segue um sentido ondulatório infinitamente qüântico e "bootstraper" em sua seqüência livre e profunda da mística oriental.
NOTAS:
RANZ: termo inglês ligado a "ranch"- fazenda de gado; RANZ seria no caso homens do rancho, rancheiro.
Dicionário inglês/portugues - portugues/inglês - Ministério da Educação e Cultura - 1964.
Solfa: música escrita, música vocal; a parte musical do verso cantado; vem daí o termo Solfejo.
Novo Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa - Edt. Nova Fronteira - 1986.
Neuma: cada um dos sinais da antiga notação musical medieval, que não indicavam nem a altura exata dos sons, nem sua duração, mas apenas o movimento linear da melodia, isto é, onde a voz deveria elevar-se ou abaixar-se.
Novo dicionário Aurélio da Lingüa Portuguesa - edt. Nova Fronteira 1986.
segunda-feira, 13 de maio de 2013
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